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| FOTO: PROF. CLEOMAR LIMA, 2025 |
Por: Cleomar Lima*
Envelhecer na Amazônia é compreender que o tempo age como a própria floresta. Nada permanece igual, nada escapa ao ciclo da vida. As árvores mais antigas, que um dia sustentaram sombras imensas, começam a abrir falhas no tronco, deixam cair folhas que antes eram muralha contra o sol. Mesmo assim, continuam de pé, testemunhas silenciosas da passagem das águas e das estações.
O corpo humano segue o mesmo ciclo, mas com menos aceitação. Enquanto a floresta permite que o velho conviva com o novo, o homem tenta esconder suas marcas, como se o envelhecer fosse falha pessoal. O preconceito nasce dessa ilusão de juventude eterna. Esconde rugas, evita fragilidades, silencia o idoso como quem vira o rosto diante de uma árvore que já não produz sombra.
A Amazônia não faz isso. Ela compreende que toda velhice tem função. O tronco caído vira adubo. A raiz antiga sustenta o solo. O lago que seca hoje abre espaço para peixes amanhã. A natureza não rejeita o que envelhece, transforma.
Nos hospitais da cidade, o contraste aparece com dureza. O velho sozinho é como árvore isolada na beira do igarapé. A correnteza bate sem piedade. Falta a mata ao redor para proteger. Falta quem escute, quem chame pelo nome, quem perceba a fragilidade que se instala aos poucos. A solidão envelhece mais rápido que o tempo.
Mas existe o outro lado, aquele que a floresta conhece bem. Quando alguém envelhece cercado de afeto, o ciclo não pesa tanto. O amor funciona como o rio que abraça a mata, mantendo a vida possível mesmo nos dias mais secos. Uma mão que segura, uma palavra que conforta, uma presença que ampara devolvem dignidade ao corpo cansado. O rio não impede a queda das folhas, mas impede que o chão fique duro demais.
Envelhecer amazônico é aceitar que o tempo age em tudo. É entender que o fim de um ciclo prepara o início de outro. E que ninguém deveria atravessar essa travessia sozinho. A floresta nunca abandona suas partes. O rio nunca deixa de correr ao lado das margens que sustenta.
O humano ainda precisa aprender o que a Amazônia sempre soube.
O envelhecer é inevitável.
O abandono, não.
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*Professor do Curso Preparatório CUCA