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| FOTO: DESFILE MILITAR DE 7 DE SETEMBRO. AUTOR: M. BECHMAN, 2013. |
No dia 31 de Março de 1964, o Brasil foi submetido a um Golpe de Estado em que as garantias aos direitos individuais foram suspensas e o Estado sob um regime ditatorial militar apoiado pelas elites econômicas do país e com a anuência dos Estados Unidos da América promoveram a tomada do poder subvertendo conceitos clássicos da literatura sociológica como a arbitrária transformação de um Golpe de Estado em "Revolução" que nos serve neste instante apenas para ilustrar o período em que os brasileiros não podiam ter acesso á informação com isenção sob a luz da verdade, nem defender suas idéias e eleger seus representantes.
Mas este texto, é um testemunho descritivo e sensível de nossas vivências neste período dramático da vida brasileira. Quando criança, entre meus 6 e 7 anos de idade, morando numa casa de madeira na Rua Joanathas Pedrosa, no bairro da Praça 14 de Janeiro, filho de migrantes de Itacoatiara atraídos pela Zona Franca de Manaus, tivemos uma infância doce e dura, em que as brincadeiras, jogos e folguedos da infância fizeram parte de forma intensa de nosso quotidiano e dura pelas condições socioeconômicas de uma época de inflação altíssima, pouca circulação de dinheiro e exígua participação popular.
Na minha rua, via as calçadas cheias de mato e as poucas casas em alvenaria contrastavam com as casas e vilas de madeira com quintais de terra batida e árvores frutíferas. Acordávamos todos juntos, o despertar da família, incluía os rituais de comprar pão e partilharmos o café na presença dos irmãos e de nossos pais ao mesmo tempo que ouvíamos a rádio difusora ou a rádio baré, depois brincávamos no quintal com outras crianças vizinhas sob o olhar vigilante de minha laboriosa mãe enquanto meu pai trabalhava na oficina de marcenaria construída no próprio quintal.
Neste tempo, uma das coisas que mais nos intrigava era o fato de papai sempre nos falar que os filhos tinham que ser militares quando crescessem. Dizia que eu serviria o Exército, e meus outros dois irmãos serviriam a Aeronáutica e a Marinha respectivamente. Sinceramente não entendia isso. Mas aceitávamos a idéia. Na Semana da Pátria e do Amazonas, comemorados no dia 5 e 7 de setembro, íamos aos desfiles estudantil e militar, com bandeirinhas em papel do Amazonas e do Brasil além de cata-ventos. Víamos os políticos na televisão em preto e branco e eu estranhava porquê eles sempre usavam óculos escuros e ao lado deles sempre haviam militares fardados.
Na televisão, antes de qualquer programação, seja desenho ou filme, era exibido uma "espécie de certificado" que mostrava a classificação etária para qual estaria destinada a exibição - estávamos diante da CENSURA aos meios de comunicação -, mas sob os olhos de uma criança, aquilo apenas causava estranheza.
Nas rádios, ouvíamos ainda algumas músicas como boleros em castellano, música italiana e música francesa, o que aos poucos foram sendo esquecidas ficando apenas na memória auditiva dos idosos e das crianças dos anos 1970 e 1980. Na música, ouvíamos raramente músicas com as vozes da Tropicália e aos poucos as músicas estadunidenses começaram a "invadir nossos tímpanos" via ondas das rádios. Desse tempo, só restou a lembrança quase adormecida da música pop e romântica italiana.
Na Universidade do Amazonas, situada na rua Emílio Moreira esquina com a Ramos Ferreira, na Praça 14 de Janeiro, que conhecíamos como "Seminário" e lá realmente existia o "Seminário São José" para a formação de padres, víamos muitas pichações nos muros como "Fora generais!" "Abaixo a Ditadura" e também lembro de algumas pessoas sendo presas na frente do Mercado Adolpho Lisboa porquê estavam distribuindo panfletos e jornais produzidos pelo Partido Comunista Brasileiro - PCB. A combativa imprensa operária resistia e denunciava o golpe militar.
Maridos chegavam bêbados nas suas casas, extenuados de uma rotina operária exaustiva e "batiam em suas esposas" e minha mãe corajosa invadia as casas na vila em que morávamos e defendia as vizinhas agredidas ao mesmo tempo que algumas crianças, filhas e filhos das vizinhas, se refugiavam em nossa casa enquanto a confusão cessava.
Mesmo criança, sentia que algo não estava bem. Via livros e revistas velhas do Mobral - Movimento Brasileiro para o fim do Analfabetismo - mesmo em nossa casa, não tendo nenhum analfabeto, pois éramos filhos de uma professora e fui alfabetizado por minha mãe. Meus tios também queriam que eu fizesse carreira militar e tudo isso era estranho para mim nesta fase da vida e neste contexto social.
Durante a noite, minha mãe ficava preocupada com a chegada do meu pai - que ás vezes trabalhava empregado em uma fábrica de móveis com a carteira assinada. Eu, como filho mais velho da segunda geração, mesmo menino ía até a rua e olhava de um canto a outro ansioso para ver meu pai chegar e quando ele chegava, abençoava a cada um de nós e nos levantava para o alto com os braços. Éramos humildes, mas nunca nos roubaram a dignidade e a capacidade de sonhar com um futuro melhor.
Este Golpe de Estado, completa 50 Anos...não há nada para comemorar...mas a data é para lembrar e refletir sobre o que significa a liberdade e a democracia para as presentes e futuras gerações, principalmente para as crianças que são testemunhas oculares e sentimentais do presente.
Manaus, AM recorte das memórias de um menino de 1977 a 1980.

Muito bem lembrado esse golpe tamven de certa forma marcou a?minha vida hj 52 anos ..e lembro de poucas coisas e sabemos que o golpe?existiu sim..nada pra comemorar..
ResponderExcluirExcelente comentário camarada Mauro, eu tinha 7 anos de idade quando os gorilas tomaram de sobressalto o poderacabando com os poucos direitos do povo. Lembro que meu pai Luiz Santana, sapateiro, foi preso a mando de Plínio Coelho, por ser comunista ficamos em uma situação econômica muito ruim por ser o único recurso financeiro da oficina de sapatos do meu pai. Hoje a História real mostra que as forças armadas do Brasil são para proteger os algozes da miséria do proletariado.
ResponderExcluirObrigada por seu relato, Mauro. Esses registros precisam ser feitos para preservação da memória.
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