O MENINO DE CABELO PENTEADO

 

FOTO: PROF.ME. MAURO BECHMAN.
 AUTOR: CUCUNACA, 2021.

Por: Mauro Bechman*


Lá vai ele, camisa de botões e calça social passada calçando um sapatênis limpo, impecável seu figurino. Sobre a cabeça, uma bacia de alumínio e saquinhos de bananas fritas enchidos um a um. Sorrindo atravessa a marginal esquerda, margeando o abandonado igarapé do passarinho que testemunha a estupidez humana no trato com os filhos de Adão e de Eva.

Na face, um sorriso ingênuo enquanto a postura ereta equilibra a bacia de salgadinhos amazônicos. Nas roupas, a lembrança de uma aristocracia altiva, agora decadente em pleno sol de outubro. O menino largou a escola e os livros, afinal não há muito a fazer lá quando o monstro do sistema financeiro vai triturando o que vê pela frente. É um estupro contra a juventude ainda infantil no meu país, hoje tomado por canalhas e traidores.

Caminhando de encontro ao menino de cabelo penteado, o meu dia se perde. Sinto uma enorme vergonha e a impotência dos mortais. Baixo minha vista diante do sorriso inocente do menino que creio estará no seu primeiro dia de vendedor de bananas fritas na cidade dos tiranos.

E, no silêncio dos meus pensamentos, me pergunto: Como foi que permitimos que isso acontecesse? Crianças deixando de ir à escola para ir ao trabalho duro das ruas. Mais alguns passos seguros e cardeais, e o menino de cabelo penteado, sairá do meu campo de visão e eu na solidão deste calabouço tomarei serenamente uma taça da mais tinturada ira sem a qualquer chance de abrandar o meu pranto.

Nascemos para a liberdade.


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*Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal e Centenária do Amazonas. UFAM. (1909).

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